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domingo, 26 de dezembro de 2010

morrer me chama.


Nessa noite de solidão, o gato massageia-me as costas com suas garras afiadas
O gato é tudo que não me abandonou
Apesar de temer meus movimentos, ele rasteja e dorme sempre ao meu lado
Um velho me seguiu na noite escura, e eu fiquei apavorada
Não queria morrer agora
E não sei se sobreviveria a um estupro.
Não quero mais pensar na morte, mas a vida me abandona em cada célula
Tenho vinte e quatro anos de esperar morrer
E nada mais me encanta
Ontem tentei dirigir e quebrei um muro
Acho que não existe nada que eu saiba fazer bem 
e não agüento mais me oferecer gratuitamente no altar da exploração
E pergunto: a minha vida está em que?

Não existe nada vivo além de você
As vezes basta.
Nem sempre.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

viver me custa.


Viver me custa
todos os centavos do meu Bilhete Único
Ir e vir
Arrastar-se diariamente
dilacerando a pele e descascando as unhas
por um pedaço de pão
E café fresco

                                                      pão francês a sete reais o quilo
                requeijão Danúbio manteiga de verdade geléia de amora
  queijo fresco queijo prato queijo prato queijo mussarela queijo gorgonzola
        e todos os queijos que me faltam e sobram nos SUPER-HIPER-MERCADOS

e leite de soja suco de laranja peito de peru

- A mesa nunca é farta o suficiente
viver é sentir fome.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ESTA NOITE OU COMO ME TORNEI UM BURACO NEGRO?

CENA I:

Um apartamento. Vazio de pessoas, e repleto de todo o resto: mobília irregular, copos sujos, latas vazias de cerveja, cinzeiros improvisados, e sombras
Uma sombra se destaca, no centro da sala, sob cobertores e almofadas, sobre um velho colchão de casais.

CENA II:
O vento uiva e congela, as ruas não dormem. A noite segue escura, mas a avenida está sempre clara, artificialmente clara. Passam alguns carros, obviamente repletos de bêbados que voltam de suas orgias, ou procuram novas, insaciáveis.

CENA III:
Um buraco negro.
Fragmentos de teorias de velhos burgueses, e teorias de novos e velhos revolucionários. Palavras soltas e versos ininteligíveis. Cenas inacreditáveis, surreais ou abstratas. Fragmentos também de sensações, sinestésicas. Um buraco negro. Ou roxo, de inveja. Ou negro de fome. Ou vermelho de paixão. Ou branco de resignação. Ou negro.

ÚLTIMA CENA:

...

terça-feira, 20 de julho de 2010

Sobre como é ridículo se apaixonar.

Hoje durante o almoço alguém do trabalho me perguntou se eu estava"amando". "Você está tão…radiante", disseram. Clichezinho engraçado este de adivinhar quando alguém se apaixona. E geralmente vem com essa história de estar "radiante". Costumam acertar.

Tudo no amor é clichê, brega, vulgar. Curioso: justo quando o que estamos sentindo é precisamente o oposto. Não sei se também não sou eu que sou dura demais com palavras de apaixonados. Sempre tive um pouco de aversão a tudo isso. Sempre evitei as cartas de amor ridículas, e o próprio amor. Sim, eu que sou ridícula, já sei.

 
Mas estou aqui há 10 linhas enrolando e me perdendo cada vez mais na tentativa suicida de escrever sobre a paixão de maneira descolada, e até agora não passei de um ensaio de coluna zuada de jornal de domingo, daquelas pouco inspiradas em que o cronista nitidamente só quer preencher a lauda de conversa mole do tipo que agrada qualquer um sem impressionar nem incomodar ninguém. Eu ainda estou em situação pior, não tenho nenhuma necessidade desse esforço em me expor ao ridículo, não tenho contrato com jornal nenhum, muito pelo contrário, por sorte poucas pessoas se darão ao trabalho de ler estas palavras. E no entanto, uma força estranha quer que eu grite pra todo mundo saber que nesse momento nada mais no mundo importa tanto quanto a saudade que eu sinto de um certo olhar de doninha e o sorriso mais bonito da face da Terra.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

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Não que ele não tivesse razão, claro que tinha. Aquilo nunca foi amor. Não era nem paixão. E por que doía tanto? Faltava-lhe ar, faltava-lhe chão, faltava-lhe clichês pra descrever aquela dor. E no entanto, ela estava certa de que nada disso era real. Se lhe perguntassem, não diria que ele era bonito, que era brilhante, que era sensível. Pensando bem, nada havia nele que lhe despertasse admiração. Não fossem certos incidentes, talvez nunca o tivesse notado. Amor inventado, mais um. No fundo, era sempre isso. E agora essa dor insuportável, consumindo cada respiração sua. Cada pensamento, fosse sobre o que fosse, parece que no fundo do cérebro, simultaneamente às outras ideias que lhe povoavam a mente, sempre no fundo aquela pulsação, aquela presença. Inventava o cheiro, a voz, o beijo. E quando a recordação era quase capaz de lhe provocar algum prazer imaginário, vinha o tapa na cara. Lembrava-se da única imagem real. Ele impassível, dizendo que não sentia nada. Ela aos prantos. A sensação de fracasso. E no fundo era isso que importava. Não era ele. Ele pouco lhe importava. Sinceramente, mal o conhecia. No fundo era um sentimento mesquinho e egoísta, um misto de carência, e depressão e orgulho, se é que um deprimido tem direito a sentir algum tipo de orgulho. Mas não adiantava, esses pensamentos racionais não serviam de consolo. A verdade era muito mais simples, não importavam os porquês, a verdade é que o queria muito, e ele nunca a quis, e isso doí muito, não importa quantas vezes já tenha passado pela mesma situação. Calculava até que fosse acumulativo. Cada fracasso traz em si o peso de todos os outros. Quantos fracassos até que o peso se tornasse insustentável?

sábado, 12 de junho de 2010

Digerindo a cidade…


Eu não sei o que fazer com essa cidade. Seria mais fácil se fosse São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador... Ou então uma cidadezinha minúscula e pitoresca. Seria mais fácil se houvesse mar, campo. Campinas não é nada disso, e eu não sei o que é. É uma coisa grande e sem sentido. Eu não entendo essa cidade... Eu quis engolir tudo, e agora to tentando digerir...


Não lembro exatamente o dia em que cheguei aqui, mas acho que foi há uns oito ou nove meses, no máximo. Engraçado, a impressão que eu tenho é de que faz muito mais. Cheguei "jornalista recém formada" e agora nem sei o que eu sou. Queria um dia me reconciliar com a comunicação, mas parece tudo tão distante, que me dá uma preguiça enorme de pular de um planeta pro outro...


To tentando pensar o que eu fiz aqui. Parece que nada, mas ao mesmo tempo, hoje eu sei que eu sou uma mulher adulta, só porque eu estou aqui. Se eu ainda quisesse ser jornalista eu acho que poderia tentar uma espécie de jornalismo gonzo proletário, que teria muita pauta... (e por que eu não pensei nisso antes? Vou anotar essa...). Foram três meses de desemprego, correria atrás de uma vaga e a caixa de e-mails lotada de emprega_campinas@yahoogrupos.com.br. Três meses de "Bem vindo ao suporte técnico telefônica, Natália, bom dia!" e todas as querelas do trabalho terceirizado e precarizado do telemarketing, e o absurdo de viver com 1 salário mínimo por mês (e olha que eu não tenho filhos e moro em república, imagina sustentar uma família!). Sem contar a minha saga com a saúde pública municipal, que merece um adendo: [em dezembro resolvi que precisava de umas consultas médicas, consegui marcar em janeiro (uma guerra só pra conseguir fazer o bendito cartão); daí a consulta foi em março, que me levou dois exames que só pude fazer ao final de abril e ainda to no aguardo do resultado pra poder marcar o retorno, e lá se foram 6 meses...]


E agora que eu ganho a vida como agente censitário supervisor, vulgo ACS, com todos os privilégios e benefícios de ser uma funcionária pública temporária, com contrato de 30 dias renovado a cada mês de acordo com a boa vontade dos meus superiores do IBGE, até que o fim do censo nos separe, to conhecendo outro lado de Campinas. Agora eu tenho certeza absoluta de que isso aqui é grande e sem sentido. Pra lista de lugares onde eu já estive agora posso acrescentar alguns bairros: Padre Anchieta com suas ruas católicas,Residencial Vila Lunardi, Núcleo habitacional Boa Vista, Vila Reggio, Sete de Setembro, Chácara da Boa Vista, Parque residencial Shalon... E de acordo com as linhas dos mapas, dei alguns passos por Hortolândia e Sumaré. E eu confesso que nunca mais vou encarar os dados do IBGE da mesma forma...


Fora tudo isso, uma coisa triste que eu to aprendendo em Campinas é viver sem música, sem shows, sem festas, sem teatro. Nem Virada Cultural tem aqui. De vez em quando fico sabendo de uns shows meio esdrúxulos em praças por ai... De vez em quando uma Elza Soares ou um Zeca Baleiro, mas sempre longe, sempre caro. Mas é que a cultura, o saber, a arte, o desenvolvimento, ta tudo trancafiado na torre de marfim da Unicamp, no reino perdido de Barão Geraldo.


Ainda to digerindo, aprendendo, refletindo. Às vezes me da vontade de vomitar tudo, e desistir daqui. E é com resignação que me conformo: não tenho aonde ir. Não sei se é covardia, se é preguiça existencial queme obriga a ficar. Mas acho que não... Quanto mais eu tento digerir esse lugar, mais eu enxergo nele as contradições de uma sociedade dividida em classes, onde a produção se baseia exclusivamente na exploração de uma classe enorme de trabalhadores por uma pequena classe de proprietários. Uma sociedade marcada pela opressão, pelo machismo, pelo racismo, pela homofobia, mas acima de tudo pela exploração. E que se expressa nessa coisa grande e sem sentido, repleta de desempregados, trabalhadoras terceirizadas sem salário por três meses, bairros inteiros de famílias vivendo literalmente na lama, enquanto no centro da cidade surge um tal de "Tolerância Zero" pra "limpar"as ruas de seus pobres e miseráveis, e uma juventude sem lazer e sem cultura, e sem saúde,e sem direito a nada. Eu acho que eu não consigo mais ir embora daqui sem dar uma resposta a tudo isso. E eu tenho uma resposta na ponta da língua.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sobre escrever (ou sobre mais uma vez sobre a minha inaptdão para vida)

Por muitos anos escrever havia sido meu porto seguro. Aquela coisa que eu sabia fazer até de olhos fechados e que nunca me deixaria na mão, fosse para organizar meus pensamentos mais confusos, fosse pra expressar idéias ou simplesmente pra tirar uma boa nota e figurar anualmente no ridículo “Livro de redações” do meu pequeno colégio (a saudosa Fundação Educacional Mirassolense). Talvez por isso o curso de jornalismo, a única saída pra minha falta de disciplina para a dança, falta de talento para a música e para as artes plásticas e falta de interesse por qualquer outra área do conhecimento humano às vésperas do fatídico vestibular.
Quatro anos e meio de um curso cheio de problemas, porém uma vivência muito significativa e eu deduzo que me desenvolvi e me tornei melhor do que era antes. Mas eis que agora percebo que não sei escrever porra nenhuma. Tenho sufocado e sucumbido em meio ao turbilhão dos meus pensamentos mas não consigo organizar nem uma única sílaba que preste a partir de tudo isso. E eu não sou a única a notar essa total falta de destreza com as palavras, não se trata de modéstia. Acho que um 0 no vestibular da Unicamp é suficientemente convincente, bem como os posts deste blog.
(quanto a todas as outras formas de expressão, me são inacessíveis, mesmo a mais natural de todas, a conversa de boteco, mas isso não é surpresa, me acompanha desde sempre).
Essa constatação me apavora.
A cada dia que passa a vida me parece mais difícil. Não que não haja surpresas e delícias a cada dia, e momentos de paixão e deleite, e reflexões importantes, epifanias... Mas na maior parte do tempo tenho achado tudo muito difícil. Minha inabilidade com as coisas do mundo só aumenta, e me faz querer morrer. E as mazelas desse sistema de exploração e opressão se expressando em cada detalhe do mundo pra onde eu olhe e impondo sofrimento e miséria a tantos e de tentas formas, e a mim particularmente com muito mais intensidade do que antes.. Tudo me exaspera. E não poder me expressar em nada facilita as coisas...