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sábado, 12 de junho de 2010

Digerindo a cidade…


Eu não sei o que fazer com essa cidade. Seria mais fácil se fosse São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador... Ou então uma cidadezinha minúscula e pitoresca. Seria mais fácil se houvesse mar, campo. Campinas não é nada disso, e eu não sei o que é. É uma coisa grande e sem sentido. Eu não entendo essa cidade... Eu quis engolir tudo, e agora to tentando digerir...


Não lembro exatamente o dia em que cheguei aqui, mas acho que foi há uns oito ou nove meses, no máximo. Engraçado, a impressão que eu tenho é de que faz muito mais. Cheguei "jornalista recém formada" e agora nem sei o que eu sou. Queria um dia me reconciliar com a comunicação, mas parece tudo tão distante, que me dá uma preguiça enorme de pular de um planeta pro outro...


To tentando pensar o que eu fiz aqui. Parece que nada, mas ao mesmo tempo, hoje eu sei que eu sou uma mulher adulta, só porque eu estou aqui. Se eu ainda quisesse ser jornalista eu acho que poderia tentar uma espécie de jornalismo gonzo proletário, que teria muita pauta... (e por que eu não pensei nisso antes? Vou anotar essa...). Foram três meses de desemprego, correria atrás de uma vaga e a caixa de e-mails lotada de emprega_campinas@yahoogrupos.com.br. Três meses de "Bem vindo ao suporte técnico telefônica, Natália, bom dia!" e todas as querelas do trabalho terceirizado e precarizado do telemarketing, e o absurdo de viver com 1 salário mínimo por mês (e olha que eu não tenho filhos e moro em república, imagina sustentar uma família!). Sem contar a minha saga com a saúde pública municipal, que merece um adendo: [em dezembro resolvi que precisava de umas consultas médicas, consegui marcar em janeiro (uma guerra só pra conseguir fazer o bendito cartão); daí a consulta foi em março, que me levou dois exames que só pude fazer ao final de abril e ainda to no aguardo do resultado pra poder marcar o retorno, e lá se foram 6 meses...]


E agora que eu ganho a vida como agente censitário supervisor, vulgo ACS, com todos os privilégios e benefícios de ser uma funcionária pública temporária, com contrato de 30 dias renovado a cada mês de acordo com a boa vontade dos meus superiores do IBGE, até que o fim do censo nos separe, to conhecendo outro lado de Campinas. Agora eu tenho certeza absoluta de que isso aqui é grande e sem sentido. Pra lista de lugares onde eu já estive agora posso acrescentar alguns bairros: Padre Anchieta com suas ruas católicas,Residencial Vila Lunardi, Núcleo habitacional Boa Vista, Vila Reggio, Sete de Setembro, Chácara da Boa Vista, Parque residencial Shalon... E de acordo com as linhas dos mapas, dei alguns passos por Hortolândia e Sumaré. E eu confesso que nunca mais vou encarar os dados do IBGE da mesma forma...


Fora tudo isso, uma coisa triste que eu to aprendendo em Campinas é viver sem música, sem shows, sem festas, sem teatro. Nem Virada Cultural tem aqui. De vez em quando fico sabendo de uns shows meio esdrúxulos em praças por ai... De vez em quando uma Elza Soares ou um Zeca Baleiro, mas sempre longe, sempre caro. Mas é que a cultura, o saber, a arte, o desenvolvimento, ta tudo trancafiado na torre de marfim da Unicamp, no reino perdido de Barão Geraldo.


Ainda to digerindo, aprendendo, refletindo. Às vezes me da vontade de vomitar tudo, e desistir daqui. E é com resignação que me conformo: não tenho aonde ir. Não sei se é covardia, se é preguiça existencial queme obriga a ficar. Mas acho que não... Quanto mais eu tento digerir esse lugar, mais eu enxergo nele as contradições de uma sociedade dividida em classes, onde a produção se baseia exclusivamente na exploração de uma classe enorme de trabalhadores por uma pequena classe de proprietários. Uma sociedade marcada pela opressão, pelo machismo, pelo racismo, pela homofobia, mas acima de tudo pela exploração. E que se expressa nessa coisa grande e sem sentido, repleta de desempregados, trabalhadoras terceirizadas sem salário por três meses, bairros inteiros de famílias vivendo literalmente na lama, enquanto no centro da cidade surge um tal de "Tolerância Zero" pra "limpar"as ruas de seus pobres e miseráveis, e uma juventude sem lazer e sem cultura, e sem saúde,e sem direito a nada. Eu acho que eu não consigo mais ir embora daqui sem dar uma resposta a tudo isso. E eu tenho uma resposta na ponta da língua.

4 comentários:

  1. Nossa Nati! Curti super o texto, continue escrevendo, por favor!
    Saudade!
    Bjo

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  2. Fantástico o texto!
    Como te disse na última vez que nos falamos: "não deixe de escrever".
    E por mais que vc considere seus escritos aqui somente textos pessoais, eu, como leitor, acredito no contrário. São desabafos carregados de forte expressão e crítica - para além das particularidades de nossas vidas.

    É uma forma, também, de nos comunicarmos e nos aproximarmos todos novamente.
    Eu falando isso e meu blog parado né? rs. Devo retomá-lo em breve. Estou precisando.

    Um beijo Nati.
    Força por aí cmda

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  3. Esse texto não poderia ser mais nati.
    Consigo te ouvir falando!(e vomitando)
    Adorei isso aqui, vou passar mais vez.
    Beijos de quem morre de saudades dos seus vômitos
    (e já consegue ouvir o "ai que nojo, marjorie!" rs)

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  4. Viu só.. IBGE te mostra!

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